Em 2012, a artesã Glória Viana começou a confeccionar bonecos de pano. Aprofundou-se em causas de comunidades negras e, desde então, sua especialidade são bonecos em que as crianças se reconheçam. Na eduK ela traz o curso “Bonecas Negras em Tecido” no qual ensina o passo a passo de quatro modelos de bonecas negras que misturam as técnicas de corpo, monobloco e articulado, com uma diversidade de cabelos, cores, estampas, materiais e conceitos, com cabelos de lã, sintético, cachinhos black, além de roupas e vários acessórios como os turbantes. Para quem trabalha com bonecas, esta é uma chance única de dar ao seu artesanato um significado ainda mais profundo.
- Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) cerca de 50% da população brasileira é negra
- Segundo a ONG Avante, apenas 10% das bonecas comercializadas no Brasil são negras

Olha só o cabelo dela! É igualzinho ao meu.” – reprodução de frase dita por crianças no documentário ‘Por que você tem uma boneca negra?’, da cineasta norte-americana Samantha Knowles
O curso traz ainda o debate “Construção da identidade negra e as relações cotidianas” realizado entre a expert Glória Viana, o artesão Hélvio Mendonça, a facilitadora do Grupo Guardiões da Consciência da eduK, Anne Galvão, e Mylene Alves, psicóloga e uma das idealizadoras da Campanha “Cadê Nossa Boneca”, da ONG Avante, e que nasceu a partir do incômodo de três amigas de Salvador – cidade majoritariamente negra- ao notar que durante uma campanha de arrecadação de brinquedos para filhos de presidiários da cidade não havia nenhuma boneca negra.

Andréa Cordeiro, fundadora do Grupo Bonequeiras Sem Fronteiras e professora doutora em educação infantil pela Universidade Federal do Paraná, faz a seguinte reflexão sobre o trabalho do grupo de bonequeiras e o porquê do curso ter recebido o nome bonecas negras e não somente bonecas:
Existe a necessidade de REPRESENTATIVIDADE nos brinquedos, na mídia, nos desenhos animados. A boneca negra é um artefato que era raro e até mesmo proibido em determinadas regiões dos EUA no século XIX, sabiam? Em outros lugares do mundo, como aqui, muitas vezes as crianças negras não se viam refletidas em brinquedo algum e, quando apareciam bonecas negras, elas vinham reforçar estereótipos com olhos esbugalhados, lábios imensos, quase caricaturas dos traços negros. Eu herdei um livro de artesanato da minha mãe chamado ‘Mãos de Ouro’, da década de 60. Nele a boneca era apresentada como um “brinquedo que deixará as meninas encantadas pois, em um simples passe de mágica, a Sinhazinha se transforma na prestimosa babá”… não preciso nem dizer que a babá era representada pela boneca negra e a sinhazinha pela branca… comecei a pesquisar um pouco e encontrei muitas versões para a origem deste brinquedo, criado antes da Guerra Civil dos EUA pelas escravas negras do sul: alguns antropólogos creem que ela não foi primeiramente criada para as meninas brancas, mas sim para as garotinhas negras, como uma estratégia secreta para que tivessem uma boneca que as representasse, mas que pudesse rapidamente ser escondida sob as saias da boneca branca ante a proximidade de um “Senhor” ou feitor… Isso é muito interessante, estas estratégias que nos mostram a criatividade e o poder de contravenção das minorias. Bem, e no que implica você crescer achando que sua cor, seu cabelo e traços não são bons para serem retratados nos brinquedos, ou são cômicos e feios servindo apenas para brinquedos estilo “Nega Maluca”? Implica num reforço à exclusão e à ideia de que o bonito, o padrão, está apenas nas peles e olhos claros, nos cabelos lisos e feições brancas. Por essas e outras insistimos para que as bonecas que vocês fazem sejam de cores e tipos variados, mas sempre pedimos bonecas negras especificamente já que grande parte da população pobre e periférica que a gente atende é negra”.
Uma resposta
Ótima matéria! Um debate super importante e urgente.